Diário de Bordo - Dia 21
(15/12/2018)
Posição: 14 53 N 058 52 W
Milhas navegadas: 125 nm
Milhas para chegar: 130 nm
Velocidade média para o destino: 5.4 nós
Acordei à 1h da manhã com o chamado do Alexandre que estava cansado de navegar por tantas horas seguidas. Preparei um café forte para mim e subi meu equipamento de segurança para velejar. A noite estava novamente muito bonita com a lua a brilhar no céu. Alexandre disse que teríamos rajadas de até 29 nós, então fomos reduzir um pouco a área vélica da grande. Eu assumi o leme à 1h20 da manhã e me despedi do Alexandre. Sugeri a ele que colocasse o despertador para às 7h30, pois eu estava bem descansado e poderia fazer umas horinhas a mais nessa noite.
Comecei meu turno sem grandes problemas para manter a proa 245 graus, pois as ondas e os ventos estavam alinhados para o nosso destino no Caribe. No meio da noite, por voltar de 4h30, Alexandre apareceu no cockpit, pois estava com muito calor lá em baixo e não conseguia dormir. Sugeri a ele que abrisse uma gaiuta ou que deitasse ali no cockpit mesmo para se refrescar. Ele voltou para o interior do veleiro e não voltou mais. Às 6h30 da manhã os ventos, que sopravam constantes na casa dos 20 nós, começaram a apertar. Olhei para a popa e vi dois grandes SQUALLS pretos se aproximando rapidamente na nossa retaguarda. Notei que pareciam trazer chuva consigo e, por isso, corri para tirar os equipamentos eletrônicos da área descoberta. Eu estava de bermuda e de jaqueta e não me importaria de me molhar um pouco nessa noite quente, já com ares de Caribe.
Os SQUALS chegaram com força, trazendo ventos de 31 nós, segundo o instrumento do veleiro. A chuva que caiu sobre o barco foi pouca, mas à boreste e bombordo pude ouvir os pingos mais intensos se misturarem com a água salgada do mar. Às 7h30 comecei a ficar ansioso para terminar o meu turno, mas o Alexandre ainda não tinha se despertado. Quando foi 8h10 eu desci e liguei o piloto automático para me preparar para deitar. Escovei os dentes e tirei o colete. Alexandre e Mirella acordaram com a minha movimentação a bordo. Os dois se prepararam para fazerem juntos o turno da manhã. Eu deitei às 8h36 e chapei de sono.
Quando foi 11h50 acordei assustado com o choro e soluçar da Mirella. Ainda deitado na cama da sala olhei para o cockpit e não vi o Alexandre, que deveria estar navegando com ela desde a última troca de turno. Dei um pulo da cama para socorre-la e entender o que estava acontecendo. Os ventos sopravam muito fortes, com rajadas de 35 nós, e o mar estava com muita energia de ondas grandes. Meu primeiro pensamento foi imaginar que o Alexandre teria caído do barco com o forte balanço, mas Mirella apontou para dentro do barco indicando que meu amigo estava bem e descansava dentro do barco.
Imediatamente assumi o leme e perguntei se tinha acontecido alguma coisa, mas ela disse que só estava assustada e com dificuldades de controlar o barco. Pedi que ela se acalmasse e disse que a gente ia enfrentar esse mar revolto juntos. Realmente estava difícil de navegar com as ondas batendo de lado no casco e, às vezes, respingando em nós no cockpit. Fiquei duelando com o mar e com os ventos por 2h até que a natureza nos deu uma trégua e o mar se acalmou. Corrigimos o rumo novamente para os 245 graus e seguimos velejando. A partir de agora, faltava menos de 24h para chegarmos no Caribe. E a ansiedade atingia direto nas nossas emoções.
Às 15h30 eu desci para preparar uma das nossas últimas refeições a bordo. Gostaria de ter pensado em algo mais especial ou mesmo ter pescado um último peixe antes de chegarmos, mas, como a linha da vara tinha se partido na última pescaria, isso não seria possível. Com a despensa quase vazia, depois de tantos dias no mar, resolvi fazer um simples macarrão à carbonara de almoço. Todas as refeições até então tinham sido incríveis, mas, só porque estávamos no final da viagem, algumas coisas deram errado... Primeiro foi o gás da cozinha que acabou logo após eu ter colocado a massa na água quente. Isso atrapalhou o cozimento e, já que eu tive que ferver a água uma vez mais, a massa ficou muito hidratada e se transformou em uma verdadeira papa. Já na hora que eu estava fazendo o molho, uma onda desavisada (Alexandre que estava na roda de leme que não me avisou... rs) me jogou bruscamente de um lado para o outro da cozinha, fazendo com que o macarrão, o molho e eu, fôssemos para o ar e, em seguida, contra o chão. Muito se perdeu com esse susto, mas ainda sim consegui salvar o almoço. Passado o pequeno dessabor, servi a "gororoba" do jeito que deu e almoçamos, os três, no cockpit do barco. Apesar da consistência do macarrão não estar ao dente, o sabor agradou a tripulação.
Após o almoço o Alexandre fez a gentileza de limpar a cozinha, enquanto eu descansava após o malabarismo com as panelas. Mirella ficou por conta de comandar o barco durante a tarde. Às 19h30 eu fui preparar o meu banho, pois já esperava chegar em Saint Lucia nas próximas 24h e queria estar me sentindo renovado depois da longa travessia. Continuamos navegando e pela primeira vez na viagem o sol se pôs no mar, sem nuvens no horizonte para atrapalhar. A bola de fogo vermelha indicava exatamente o rumo que devíamos seguir, o 250 graus magnéticos. Sugeri abrirmos um vinho para acompanhar nossa última tarde navegando. Escolhemos a melhor garrafa que tínhamos a bordo. Era um vinho com um rótulo bastante simbólico, chamado "Celeste" (Roble da Ribera Del Duero, de 2016). Mirella fez questão de buscar uns salaminhos de aperitivo. Ouvimos Bob Dylan, Dire Straits entre outro artistas e fechamos a tarde com Louise Armstrong, cantando "What a Wonderful World".
Às 22h20 escutamos a comunicação via rádio vinda da Martinica, ilha que fica ao norte de Saint Lucia. A cada milha navegada, nos aproximávamos mais do Caribe. Às 23h15 Mirella foi deitar para acordar no Caribe, enquanto Alexandre e eu ficamos admirando o GPS que calculava o tempo estimado para o paraíso. Às 23h30 eu decidi que não íamos comer o macarrão do almoço de maneira alguma. Se aquilo não prestou no almoço, não ia ser no jantar que estaria melhor. Preparei um talharim e fiz um novo molho, dessa vez de tomate com pedaços de calabresa. Alexandre e eu jantamos enquanto o piloto automático nos levava no rumo 253 graus, diretamente para a passagem entre Martinica, ao norte e Saint Lucia, ao sul. Com os novos cálculos, estimamos chegar antes do nascer do sol e isso preocupava o Alexandre, que preferia chegar com a luz do dia. Eu o apoiei no que ele desejasse fazer, mas garanti que nós dois seríamos capazes de dar conta do recado com a chegada antes da alvorada. As últimas milhas estavam para serem navegadas.
Woohoo!!!!!EMBARCADA NOVAMENTE!!!!!!😍
WOW...TE AMO. 😍
Entendo a Mirella, me coloquei no lugar dela por alguns minutos e acho que ficaria paralisada de medo! Que coragem! Sou fã dos três. E quanto ao macarrão o melhor tempero da comida é a fome, certamente não faltava esse tempero nessa refeição, garantia de sucesso. Que relato maravilhoso... estou tão feliz com essa travessia... 😍